Era vida boa e feliz, ria de tudo - da desgraça de ser desgraçado – impacientemente fingindo paciência, e para quê? Enganar a si próprio sempre foi seu forte, pois sonhava de olhos esbugalhados até sentado à privada. Imaginem só, sonhar feliz 'cagando' – expelindo o que há de ruim e desejando coisas boas – era assim.
Quando 'pegava' o ônibus lotado, de gente e de merda, vez ou outra sorria, ao menos quando sentava-se à janela e sentia soprar ao rosto o fedor putrefato do esgoto e mijo que brotava da cidade. Só não gostava de segurar no ferro de apóio aos passageiros, imaginando quantos germes e coliformes fecais ali se encontravam: “uma verdadeira comunidade de bosta”, pensava. Respirava fezes e tinha nojo de tocá-la.
No mais, irritava-se com besteiras como: quando atrasado, o coletivo em que viajava parava em todos os sinais, pegava todos os engarrafamentos possíveis e os passageiros desciam e subiam em todas as paradas.
Chegar atrasado ao serviço sempre fora uma tremenda besteira, essa é que é a verdade. Para quê tanto estresse? Enriquecer os bolsos e aumentar a já gorda conta do patrão? As vezes tinha vontade de mandar o consenso à merda.
Era incrível como podia ser um paradoxo vivo. Sorrir e odiar pareciam ser os combustíveis que o mantinha vivo. Nunca indiferente, até o sorrir tinha um propósito – o de fingir não ligar – mas ligava, quase sempre.
Muitas vezes fingia ortodoxia de vida, dogmatismo e vertente de ideologia. Mas gargalhava quando ouvia o cantarolar da música: “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante/ do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Nessas horas entendia.
Não sabia se era apenas essa vida ou se havia mais. Até imaginava, é verdade. Mas qual a única certeza da vida? Que se nasce para morrer! Só acreditava nesse destino. O resto? Horóscopos, zen-budismo, mantra, nirvana, dons e destinos traçados, sempre era visto com um certo nível de ceticismo. Até em relação ao ceticismo era cético. Tudo que emanava muita descrença, fazia desconfiar. “A verdade está lá fora” - lembra ter lido ou ouvido em algum lugar.
Mas sempre esperava o sol da vida se pôr, tendo um único papel para atuar. E isso era triste pois uma peça não pode ficar em cartaz por tanto tempo, porque se demora muito as cortinas se fecham, o público vai embora, e você morre, esquecido. Se ainda for lembrado, será apenas como o ator de uma única personagem, um triste palhaço bêbado de circo que repetiu a exaustão o mesmo número no picadeiro.
E atuar nesse número era o que mais sabia fazer – e como sabia – quase uma década de tilintar o teclado, esguio, pálido, em modernas casas de pombos; pombos-tecnocratas, sem nada a acrescentar e a oferecer ao mundo. Ratos de escritórios.
Enfim, décadas à frente morreu – sorrindo é verdade – foi-se com um sorriso nos lábios e o peito amargurado. O rancor era de frustração, por não ter se libertado de seu papel de cuco, triste relógio que nada mais soube fazer. Mas morreu sorrindo, mesmo se odiando - e riu porque sem risos, mesmo num circo décadent quanto o da sua vida, não poderia assim viver.
Quando 'pegava' o ônibus lotado, de gente e de merda, vez ou outra sorria, ao menos quando sentava-se à janela e sentia soprar ao rosto o fedor putrefato do esgoto e mijo que brotava da cidade. Só não gostava de segurar no ferro de apóio aos passageiros, imaginando quantos germes e coliformes fecais ali se encontravam: “uma verdadeira comunidade de bosta”, pensava. Respirava fezes e tinha nojo de tocá-la.
No mais, irritava-se com besteiras como: quando atrasado, o coletivo em que viajava parava em todos os sinais, pegava todos os engarrafamentos possíveis e os passageiros desciam e subiam em todas as paradas.
Chegar atrasado ao serviço sempre fora uma tremenda besteira, essa é que é a verdade. Para quê tanto estresse? Enriquecer os bolsos e aumentar a já gorda conta do patrão? As vezes tinha vontade de mandar o consenso à merda.
Era incrível como podia ser um paradoxo vivo. Sorrir e odiar pareciam ser os combustíveis que o mantinha vivo. Nunca indiferente, até o sorrir tinha um propósito – o de fingir não ligar – mas ligava, quase sempre.
Muitas vezes fingia ortodoxia de vida, dogmatismo e vertente de ideologia. Mas gargalhava quando ouvia o cantarolar da música: “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante/ do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Nessas horas entendia.
Não sabia se era apenas essa vida ou se havia mais. Até imaginava, é verdade. Mas qual a única certeza da vida? Que se nasce para morrer! Só acreditava nesse destino. O resto? Horóscopos, zen-budismo, mantra, nirvana, dons e destinos traçados, sempre era visto com um certo nível de ceticismo. Até em relação ao ceticismo era cético. Tudo que emanava muita descrença, fazia desconfiar. “A verdade está lá fora” - lembra ter lido ou ouvido em algum lugar.
Mas sempre esperava o sol da vida se pôr, tendo um único papel para atuar. E isso era triste pois uma peça não pode ficar em cartaz por tanto tempo, porque se demora muito as cortinas se fecham, o público vai embora, e você morre, esquecido. Se ainda for lembrado, será apenas como o ator de uma única personagem, um triste palhaço bêbado de circo que repetiu a exaustão o mesmo número no picadeiro.
E atuar nesse número era o que mais sabia fazer – e como sabia – quase uma década de tilintar o teclado, esguio, pálido, em modernas casas de pombos; pombos-tecnocratas, sem nada a acrescentar e a oferecer ao mundo. Ratos de escritórios.
Enfim, décadas à frente morreu – sorrindo é verdade – foi-se com um sorriso nos lábios e o peito amargurado. O rancor era de frustração, por não ter se libertado de seu papel de cuco, triste relógio que nada mais soube fazer. Mas morreu sorrindo, mesmo se odiando - e riu porque sem risos, mesmo num circo décadent quanto o da sua vida, não poderia assim viver.
Rodrigo Barradas