sexta-feira, dezembro 04, 2009

Mais uma vez


Ligo a TV, mais um escândalo político ecoa nos noticiários dessa república de desonestidade quase idiossincrática. Como resultado de uma machine gun com o gatilho preso, vejo pedaços de gente por todos os lados – gente que não é da gente -, é da corja que habita o topo dessa cadeia que se projeta social, mas finda tão blue, e dizem ser sangue.

Mais um governador qualquer, e não me preocupo em guarda-lhe o nome, como não é de sua preocupação deixar sob sua égide todos os Silvas mortos em filas de hospitais, nas calçadas sob efeitos das pedras que matam e sobre ratos. O que poderia restar de sua dignidade? Então senhor, para o inferno!

É difícil nessas terras de escassos dentes, ter de olhar a boca de um cavalo dado, como naquele dito popular. ‘Dado’ é premissa que legitima o comodismo! Já que nos é imposto o amargo votar, não somos nós que recebemos, nós é que doamos - nos doamos.

Tenho pena dos que ainda acreditam na mentira de fábulas políticas que se escondem sob o nome da democracia. São falácias que gritam aos quatro cantos e povoam o imaginário popular através da pujança econômica de nosso País. O poder da economia existe sim, é claro. Mas cadê a parte que nos cabe?

Já não leio mais jornais como antigamente. É sempre o mesmo feijão com arroz sem tempero, ou salgado demais. Cadê o sabor? Que dá tato ao paladar, toca o gosto que surge como manjar na língua - o doce gozar.

Eu quero é me empanturrar de notícias fortes, de verdades azedas e comidas torpes. Quero é que me arda a boca, como pimenta, jalapeños parciais, mas honestos, dedo na cara, nas feridas...

Cansei de débeis apresentadores de TV, erguendo o punho covarde e pedindo a morte dos corsários. Piratas vítimas e algozes sociais. O gordo engomado cuspindo preconceitos, quando a noite cai, se enclausura em seu moderno apartamento.

Gosto mesmo é de ver o circo pegar fogo, e queimar todos os palhaços vestidos de terno e gravata. Mas é triste constatar que quanto mais os combatemos, mais surge quem queira entrar para o Freak Show da política. Ad Infinitum, é a sensação que nos dá – a mulher barbada que o diga, pode perguntar.

Rodrigo Barradas

sexta-feira, novembro 27, 2009

Tênue, a vida


A linha que separa a realidade de uma doce ilusão é a tênue certeza que tudo pode ruir em um único segundo, como aquele que antecede a morte ou que faz partir o mais bravo dos corações. Que cospe o engasgo da mais simples convicção, como um vômito de especulações que irradiam o maior dos desejos humanos: a recíproca do amor. Como numa canção, sem métrica, sem ritmo, apenas com berros desafinados que pedem e desatinam loucuras em nome das paixões.
E tudo vale a pena, afinal, sempre valerá.

Rodrigo Barradas

sexta-feira, outubro 09, 2009

Gestos


Caminho, só eu e a minha mente
desvairada a rua vazia amputa a gente
Pois não tenho nada e o nada já é tudo
eu liquido o saldo, que já não era muito.

E nos mares humanos, somos tantos e tão sós
O que somos então, senão girassóis?
Que apontam e rumam para o mesmo lugar
Mas gestos e aparências iguais não dizem nada.

Mais um copo de whisky e cachaça para esquecer
Num bar qualquer vejo a vida entardecer
Com meus amigos sós, cópias de mim tão só
Levo a boca o fumo, num gesto igual ao que vi na TV.

E em casa me deito à uma cama igual a tantas outras
Com lençóis que sufocam e calam-me a boca
Ao tentar recordar de um dia, em que o meu “eu” ator
Não tenha atuado a vida, como numa produção barata e mal dublada de terror.
Rodrigo Barradas

segunda-feira, agosto 17, 2009

O que se leva da vida? Senão o fato de viver.

O que vem depois, do ébrio e sombrio, da paz ou do caos de uma vida vivida sem sal ou salgada demais?
O que se deixa de uma vida de lutas e de sonhos, de puros ou profanos amores gritados ou velados demais?
Senão o fato de viver?

Rodrigo Barradas

terça-feira, julho 21, 2009

Le Beauté

Era vida boa e feliz, ria de tudo - da desgraça de ser desgraçado – impacientemente fingindo paciência, e para quê? Enganar a si próprio sempre foi seu forte, pois sonhava de olhos esbugalhados até sentado à privada. Imaginem só, sonhar feliz 'cagando' – expelindo o que há de ruim e desejando coisas boas – era assim.
Quando 'pegava' o ônibus lotado, de gente e de merda, vez ou outra sorria, ao menos quando sentava-se à janela e sentia soprar ao rosto o fedor putrefato do esgoto e mijo que brotava da cidade. Só não gostava de segurar no ferro de apóio aos passageiros, imaginando quantos germes e coliformes fecais ali se encontravam: “uma verdadeira comunidade de bosta”, pensava. Respirava fezes e tinha nojo de tocá-la.
No mais, irritava-se com besteiras como: quando atrasado, o coletivo em que viajava parava em todos os sinais, pegava todos os engarrafamentos possíveis e os passageiros desciam e subiam em todas as paradas.
Chegar atrasado ao serviço sempre fora uma tremenda besteira, essa é que é a verdade. Para quê tanto estresse? Enriquecer os bolsos e aumentar a já gorda conta do patrão? As vezes tinha vontade de mandar o consenso à merda.
Era incrível como podia ser um paradoxo vivo. Sorrir e odiar pareciam ser os combustíveis que o mantinha vivo. Nunca indiferente, até o sorrir tinha um propósito – o de fingir não ligar – mas ligava, quase sempre.
Muitas vezes fingia ortodoxia de vida, dogmatismo e vertente de ideologia. Mas gargalhava quando ouvia o cantarolar da música: “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante/ do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Nessas horas entendia.
Não sabia se era apenas essa vida ou se havia mais. Até imaginava, é verdade. Mas qual a única certeza da vida? Que se nasce para morrer! Só acreditava nesse destino. O resto? Horóscopos, zen-budismo, mantra, nirvana, dons e destinos traçados, sempre era visto com um certo nível de ceticismo. Até em relação ao ceticismo era cético. Tudo que emanava muita descrença, fazia desconfiar. “A verdade está lá fora” - lembra ter lido ou ouvido em algum lugar.
Mas sempre esperava o sol da vida se pôr, tendo um único papel para atuar. E isso era triste pois uma peça não pode ficar em cartaz por tanto tempo, porque se demora muito as cortinas se fecham, o público vai embora, e você morre, esquecido. Se ainda for lembrado, será apenas como o ator de uma única personagem, um triste palhaço bêbado de circo que repetiu a exaustão o mesmo número no picadeiro.
E atuar nesse número era o que mais sabia fazer – e como sabia – quase uma década de tilintar o teclado, esguio, pálido, em modernas casas de pombos; pombos-tecnocratas, sem nada a acrescentar e a oferecer ao mundo. Ratos de escritórios.
Enfim, décadas à frente morreu – sorrindo é verdade – foi-se com um sorriso nos lábios e o peito amargurado. O rancor era de frustração, por não ter se libertado de seu papel de cuco, triste relógio que nada mais soube fazer. Mas morreu sorrindo, mesmo se odiando - e riu porque sem risos, mesmo num circo décadent quanto o da sua vida, não poderia assim viver.

Rodrigo Barradas

terça-feira, março 17, 2009

Sorriso de domingo



Era tarde de domingo e apesar do tédio que se escancara nesse dia em particular, talvez mais do que em outros, tentava se enganar – tentando rir de piadas sem graça de um gordo apresentador de um programa de TV sem conteúdo.
Mesmo com o calor infernal que fazia lá fora e torrava a cuca de quem exposto estava, havia algo de cinza no ar. Aliás, certos domingos são assim, para aqueles que tentam cuspir os últimos instantes de liberdade, antes da forca de segundas-feiras trabalhistas.
Sentado em sua nova poltrona que acabara de adquirir através do dinheiro-de-plástico-internacional, voltava seus pensamentos ao passado - a trajetória sofrida da labuta escrava ao qual se submetera para chegar ao topo, enfim valera a pena, pensou irrequieto sobre o couro branco e macio.
As noites mal dormidas adicionadas de café e comprimidos fizeram com que em dados momentos quase desistisse da escalada. Era mais difícil que escalar o K-9 ou o Everest pensava naqueles momentos. Mas hoje no topo da cadeia, o predador imponente ria, ao lembrar dos que deixou para trás. Ele era o vencedor, o esperma que ganhou a corrida de girinos-humanos, o alpinista que venceu a montanha e sapateou em cima dela mostrando desrespeito. Ele era maior do que tudo ao seu redor.
Mas, por mais que tentasse, não conseguia mais enganar a si mesmo. Ainda era capaz de enganar qualquer pessoa com sua lábia de mercado. Mas a si, já não conseguia mais e esse fato acabara de vir a sua mente.
Naquele momento sentado na frente da TV, assistindo um programa que apesar das cores, dos sorrisos estampados e das atrações, não conseguia mais o atrair. Aquele homem que liderava as entrevistas e fazia questão de atrapalhar os entrevistados, acabara de se travestir em uma marionete esquisita, sem vida, inanimada.
De repente o iluminado apartamento no vigésimo quinto andar, desses que fazem os sonhos de muita gente, com quatro quartos, suítes em cada um deles, sala para dois ambientes, uma ampla varanda, cozinha e área de serviço - piso em porcelanato, as paredes decoradas por um arquiteto e paisagista de renome internacional, o teto tão bem esculpido como quase uma Capela Cistina, se tornara grande demais para alguém sem ninguém. As cores antes cintilantes iam se tornando gris.
Há muito tempo, que todos que outrora o cercavam ficaram para trás, aliás, vale frisar, por conta dele mesmo. Da ganância, da falta de escrúpulos para chegar aonde chegou. Os familiares e os amigos não existiam mais para ele, e o que nunca havia feito falta, agora começava a latejar em seu peito.
Naquela noite, ao deitar-se à suntuosa cama, demorou demais para dormir. Fato esse que não acontecia desde a época em que ainda lutava pelo que considerava um lugar ao sol. Pela primeira vez em muitos anos, sentiu falta da mãe, do pai, dos amigos. Finalmente resolveu fazer o que prometera a si mesmo nunca fazer. Indagou-se se realmente valera a pena desistir de todos em nome de si mesmo. Preferiu não achar a resposta. Afinal, a segunda o aguardava e esperava estar melhor do que julgara um sentimentalismo barato que o acometera. Pediu um Lexotan ao serviço de delivery de uma farmácia e enfim apagou.

Rodrigo Barradas.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Máscaras



O ódio é o ópio dos oprimidos
É o fel! E o que é o mel no final?
Vicia a alma, joga sal nas feridas
Pois faz-se o amargo e cospe-se o mal.

Todo santo tem um “quê” de demônio
E todo demônio, nem é tão mal assim afinal
Valores de vida trocados - no prato
Só resta a gordura da carne exposta e real.

Prefiro o bafo podre e o cheiro do ralo
Do que o perfume da mentira e o botox irreal
Guardados pela égide do poder do espetáculo
E consumidos como sexo num baile de carnaval.


Rodrigo Barradas

terça-feira, janeiro 06, 2009

Todo ser humano precisa sangrar e sentir dor, para lembrar que é real



Acorda do torpor, amigo
Já não é mais feriado nem domingo
Levanta-te que lá fora tudo é mais
Do que aparenta ser, através das telas de TV.

Desentope então os teus ouvidos
Ensurdecidos pelo medo e preguiça de saber
Enquanto os jornais servem para manter o abstrato manipulado
A vida tratar-se-á de fazer a realidade aparecer.

Cedo ou tarde – tarde demais.

E é vida sim, dura, cruel, que te sangra e dói
Não é fábula, romance, ou ficção social
As bombas que o bem joga e erra o alvo, são por querer
Pois o bem, não é tão bom assim afinal.

Rodrigo Barradas