Era tarde de domingo e apesar do tédio que se escancara nesse dia em particular, talvez mais do que em outros, tentava se enganar – tentando rir de piadas sem graça de um gordo apresentador de um programa de TV sem conteúdo.
Mesmo com o calor infernal que fazia lá fora e torrava a cuca de quem exposto estava, havia algo de cinza no ar. Aliás, certos domingos são assim, para aqueles que tentam cuspir os últimos instantes de liberdade, antes da forca de segundas-feiras trabalhistas.
Sentado em sua nova poltrona que acabara de adquirir através do dinheiro-de-plástico-internacional, voltava seus pensamentos ao passado - a trajetória sofrida da labuta escrava ao qual se submetera para chegar ao topo, enfim valera a pena, pensou irrequieto sobre o couro branco e macio.
As noites mal dormidas adicionadas de café e comprimidos fizeram com que em dados momentos quase desistisse da escalada. Era mais difícil que escalar o K-9 ou o Everest pensava naqueles momentos. Mas hoje no topo da cadeia, o predador imponente ria, ao lembrar dos que deixou para trás. Ele era o vencedor, o esperma que ganhou a corrida de girinos-humanos, o alpinista que venceu a montanha e sapateou em cima dela mostrando desrespeito. Ele era maior do que tudo ao seu redor.
Mas, por mais que tentasse, não conseguia mais enganar a si mesmo. Ainda era capaz de enganar qualquer pessoa com sua lábia de mercado. Mas a si, já não conseguia mais e esse fato acabara de vir a sua mente.
Naquele momento sentado na frente da TV, assistindo um programa que apesar das cores, dos sorrisos estampados e das atrações, não conseguia mais o atrair. Aquele homem que liderava as entrevistas e fazia questão de atrapalhar os entrevistados, acabara de se travestir em uma marionete esquisita, sem vida, inanimada.
De repente o iluminado apartamento no vigésimo quinto andar, desses que fazem os sonhos de muita gente, com quatro quartos, suítes em cada um deles, sala para dois ambientes, uma ampla varanda, cozinha e área de serviço - piso em porcelanato, as paredes decoradas por um arquiteto e paisagista de renome internacional, o teto tão bem esculpido como quase uma Capela Cistina, se tornara grande demais para alguém sem ninguém. As cores antes cintilantes iam se tornando gris.
Há muito tempo, que todos que outrora o cercavam ficaram para trás, aliás, vale frisar, por conta dele mesmo. Da ganância, da falta de escrúpulos para chegar aonde chegou. Os familiares e os amigos não existiam mais para ele, e o que nunca havia feito falta, agora começava a latejar em seu peito.
Naquela noite, ao deitar-se à suntuosa cama, demorou demais para dormir. Fato esse que não acontecia desde a época em que ainda lutava pelo que considerava um lugar ao sol. Pela primeira vez em muitos anos, sentiu falta da mãe, do pai, dos amigos. Finalmente resolveu fazer o que prometera a si mesmo nunca fazer. Indagou-se se realmente valera a pena desistir de todos em nome de si mesmo. Preferiu não achar a resposta. Afinal, a segunda o aguardava e esperava estar melhor do que julgara um sentimentalismo barato que o acometera. Pediu um Lexotan ao serviço de delivery de uma farmácia e enfim apagou.
Rodrigo Barradas.
Mesmo com o calor infernal que fazia lá fora e torrava a cuca de quem exposto estava, havia algo de cinza no ar. Aliás, certos domingos são assim, para aqueles que tentam cuspir os últimos instantes de liberdade, antes da forca de segundas-feiras trabalhistas.
Sentado em sua nova poltrona que acabara de adquirir através do dinheiro-de-plástico-internacional, voltava seus pensamentos ao passado - a trajetória sofrida da labuta escrava ao qual se submetera para chegar ao topo, enfim valera a pena, pensou irrequieto sobre o couro branco e macio.
As noites mal dormidas adicionadas de café e comprimidos fizeram com que em dados momentos quase desistisse da escalada. Era mais difícil que escalar o K-9 ou o Everest pensava naqueles momentos. Mas hoje no topo da cadeia, o predador imponente ria, ao lembrar dos que deixou para trás. Ele era o vencedor, o esperma que ganhou a corrida de girinos-humanos, o alpinista que venceu a montanha e sapateou em cima dela mostrando desrespeito. Ele era maior do que tudo ao seu redor.
Mas, por mais que tentasse, não conseguia mais enganar a si mesmo. Ainda era capaz de enganar qualquer pessoa com sua lábia de mercado. Mas a si, já não conseguia mais e esse fato acabara de vir a sua mente.
Naquele momento sentado na frente da TV, assistindo um programa que apesar das cores, dos sorrisos estampados e das atrações, não conseguia mais o atrair. Aquele homem que liderava as entrevistas e fazia questão de atrapalhar os entrevistados, acabara de se travestir em uma marionete esquisita, sem vida, inanimada.
De repente o iluminado apartamento no vigésimo quinto andar, desses que fazem os sonhos de muita gente, com quatro quartos, suítes em cada um deles, sala para dois ambientes, uma ampla varanda, cozinha e área de serviço - piso em porcelanato, as paredes decoradas por um arquiteto e paisagista de renome internacional, o teto tão bem esculpido como quase uma Capela Cistina, se tornara grande demais para alguém sem ninguém. As cores antes cintilantes iam se tornando gris.
Há muito tempo, que todos que outrora o cercavam ficaram para trás, aliás, vale frisar, por conta dele mesmo. Da ganância, da falta de escrúpulos para chegar aonde chegou. Os familiares e os amigos não existiam mais para ele, e o que nunca havia feito falta, agora começava a latejar em seu peito.
Naquela noite, ao deitar-se à suntuosa cama, demorou demais para dormir. Fato esse que não acontecia desde a época em que ainda lutava pelo que considerava um lugar ao sol. Pela primeira vez em muitos anos, sentiu falta da mãe, do pai, dos amigos. Finalmente resolveu fazer o que prometera a si mesmo nunca fazer. Indagou-se se realmente valera a pena desistir de todos em nome de si mesmo. Preferiu não achar a resposta. Afinal, a segunda o aguardava e esperava estar melhor do que julgara um sentimentalismo barato que o acometera. Pediu um Lexotan ao serviço de delivery de uma farmácia e enfim apagou.
Rodrigo Barradas.