sexta-feira, outubro 24, 2008
Ávida Vida
Ah, ávida vida, que pulsa palpites de estar vivo
Sem nem certeza, afunda e nada em achismos
Disse-me o mendigo, que mendigava um cadím assim de amor
Sem o seu próprio, procurava, mas só colhia a dor
Oh pobre mendigo, já não basta a pobreza de dinheiro
Meu paupérrimo amigo ainda passas fome de amor
E a dor? Essa já é forte sem o comer
Quiçá quando nem te alimentas – sem te bem querer
Esperança, tão bela palavra te esqueceu (ou foste tu?)
Mas dizes tu, que essa palavra nunca conheceu
Pode ser que o que restava de amor próprio foi que morreu
Aí dizes tu, que em ti sentimento assim nunca nasceu
E falam tantos estudiosos sobre o tema
Como, quando, onde, quem e porque, mas entenda
Que o julgo que te julgas deve ser o julgo teu
Se foi a vida, ávida e mendiga, ou a alma que em ti morreu.
Rodrigo Barradas
terça-feira, setembro 23, 2008
Gaza
Já não há mais nada para olhar
Já não há mais nada para ver
Entre as frestas das janelas do seu quarto
A paisagem que insiste em emudecer.
Já não tens alegrias para ouvir
Só os gritos e os corpos a voar
Já se foi a razão e o por vir
Quem almeja já não pode mais chegar.
No deserto de cada ilha que é o ser
Só perdura amargura e rancor
Desespero, ódio e indiferença
Ao poder que insiste em se manter.
E cada punho que se ergue na multidão
Representa a esperança e a razão
Que tentaram lhes arrancar com violência
A indústria da mentira e coerção.
“À noite se pode ouvir o choro de Gaza e ele é mudo”.
Rodrigo Barradas
quinta-feira, agosto 14, 2008
Primavera
Tic-tac bate o relógio, bate o ponto, bate-estaca. Planta a esperança em solo argiloso – entre raízes e ossos de gatos, afundam as vigas até o fundo da alma.
Apita, então é pausa. Levanta, caminha, se senta e descansa. Mãos grossas sem tino pro fino, só o espesso concreto da aura. E o rosto marcado, queimado de sol e de sombra, que se espalha qual uma praga de gafanhotos-esperanças – apagou-lhe, apagou-a.
Plantados no chão, tantas vidas - tantos sonhos, e o que fica enraíza e floresce em mudanças, profundas e determinadas, sem fins nem meios - moral alheia flagelada.
São tantos solos, tantas cores, regados de sangue de tantas flores que um dia ousaram ousar. Até porque, nesse enorme país o horizonte só se avista ao longe, e o medo e a premissa se fundem em desproporcionais desigualdades verticais.
Mas enraizados na história também estão exemplos que se possa enfatizar. E quem são os que não se lembram do garoto subestimado, que subiu nos mastros a destroçar bandeiras e a gritar: “nous sommes le pouvoir”?
Rodrigo Barradas
quinta-feira, janeiro 24, 2008
O guia do feijão com arroz
E eu aqui sem entender, fundindo a cuca com a macaca e a resposta desapareceu.
É nego atropelado toda hora, meio-dia, suor mais pinga e um sorriso na cara.
Já não sabe distinguir o bom do ruim é só desgraça, lambe sola suja com cachaça.
É tanta massa que de massa só pão com ovo ou bolacha no café com fubá fria.
Levanta cedo, é prestação da geladeira, do fogão e o sonho da casa própria quem sabe um dia?
De tanta tapa, a face já rachada, aspirante a Jesus Cristo deu a outra pra bater.
Seu Zé de cicerone mostra o feio ao belo e o belo horrorizado fingindo não entender.
E a força acima da montanha, quase pé de Deus nós dizendo como viver.
E sem saída, horizonte, sobre-vida, o Seu Zé ex-cicerone decide não mais penar.
Procura respostas no improvável do absurdo e justamente lá encontra – agora não mais cegar.
Rodrigo Valle Barradas.