quarta-feira, outubro 24, 2007

Um dia de fúria. Risos para que te quero

Trim, trim, os telefones não paravam. Ele veio e jogou o meu árduo trabalho de alguns meses atrás em cima da minha mesa. Gritava freneticamente como um louco, a baba vinha em minha direção – eu desviava como um bêbado desvia dos carros ao tentar atravessar uma rodovia movimentada. “Incompetente”, ele gritava. “Vai pagar, você vai pagar”. Errei um ‘seis’, quer dizer, não coloquei um seis no lugar de um zero. Vai entender essa burocratização filha da puta. Minha cabeça parecia que ia explodir.
O meu trabalho se consistia numa amarga certeza incerta. A certeza de que teria muita coisa para fazer de baixo de muita pressão e estresse. A incerteza ficava por conta do salário, que devido a algum erro condicionado pelo trabalho excessivo de três pessoas feito apenas por uma, acabava por vir a menor. Agora quanto viria eu nunca sabia.
O meu chefe continuava gritando como um porco na fila do abate. Por um breve momento achei a cena um tanto quanto engraçada. Ele parecia que iria enfartar. Seu rosto coberto de placas vermelhas, a veia saltando no pescoço, a baba voando de sua boca, o olho arregalado, os braços se movendo de forma rápida, e o seu ridículo tique nervoso que o fazia colocar a língua para fora como um cágado – e eu? Eu caí numa tremenda de uma gargalhada que ecoou por todo o escritório. Cabeças pululavam por cima das saletas divisórias de compensado. Talvez a palavra saleta fosse até um elogio, porque na verdade eram cubículos, como essas casas de passarinhos ou de ramisters.
O meu chefe ficou atônito, parecia que não acreditava no que via. Eu ria freneticamente. Sabe aquelas crises de riso? Pois bem, a minha barriga já doía demasiadamente e as lágrimas já escorriam pelo rosto. E eu que pensei que o ápice do meu desespero e estresse me levaria a explodir como num dia de fúria Hollywoodiano, à lá Michael Douglas.
Pegaria minha mochila e sairia sem dizer nada, enquanto via a reação de surpresa do meu chefe e a sua voz abaixando até ele gritar: “Aonde você pensa que vai?”. E eu fecharia a porta de vidro com tanta força que ela se estilhaçaria em milhares de pedaços de vidro temperado. No corredor do empresarial, ele viria atrás de mim com aquele maldito andar engraçado, meio manco. Eu não falaria nada, apenas o esmurraria as fuças - e vê-lo nocauteado me daria um prazer quase divino de missão cumprida. Na rua, ergueria pelo colarinho o primeiro religioso de merda que quisesse me empurrar as suas malditas verdades, e gritaria com a força de um leão para que ele passasse a respeitar a individualidade dos outros. Essa deveria ser a minha explosão de fúria rumo ao nirvana da libertação. Mas pasmem. Eu apenas ri. Vai entender o ser humano.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Labuta, parte da minha história

Eles pediram o meu trabalho e eu dei
Não satisfeitos a minha alma também
Eles beberam o meu sangue numa taça de cristal
Bem devagar sendo destroçado como um animal.

A carne serve o vinho que alimenta o ego
Dá forças aos tentáculos do que foi convencionado
O orgulho é uma mentira feita para consumir o ato
Falho, estúpido, burro e estático.

Tudo é mentira nessa vida de plástico
Um cartaz, uma foto de um hambúrguer falso
Um sorriso amarelo quando se quer gritar
Um aperto de mão quando se quer matar.

Você não é vida, é máquina, catraca, chip e produção
Não há saída do poço se não existe razão
Cansado de estar cansado de não lutar
Essa inércia que não te deixa sair do lugar.

Obrigações, convenções, necessidades que te prendem
Que legitimam a opressão e o comodismo da gente
Enquanto ao luxo se dá tudo e ao lixo não se dá nada
Vamos sobrevivendo cegos amarrados a essa cabala.

Para quê sorrir sem dentes se na boca só há escorbuto?
Se teu crachá virou uma forca que te sufoca o mundo
Como na bomba de Chicago ou na batalha de Seattle
Não há vida sem liberdade, amigo, isso é fato.